quinta-feira, 19 de junho de 2008

Naquela noite eu não consegui dormir. Virei para um lado, virei para o outro e nada. Eu teria que dormir, pois no outro dia eu tinha aula. Tentei, tentei, tentei, não consegui. Levantei e fui para a cozinha, onde encontrei meu irmão dormindo com porta da geladeira aberta. O que ele estava fazendo lá? Adivinha! Assaltando a geladeira. Levei o danadinho nos meus braços até a sua cama. É, como eles crescem rápido. Lembro de quando mamãe o colocava para dormir e cantava nana neném.

Depois de deixá-lo em sua cama, andei até varanda e de lá fiquei apreciando a lua, que estava mais cheia do que nunca. Pensei de como a vida estava sendo dificil para nós. Passei altas horas filosofando quando me pego pensando nele. É... acho que eu estou realmente gostando dele. Já tive alguns muidinhos com outros meninos, mas agora é diferente.

E passo noite inteira assim, pensando na vida e sem onseir dormir. Pensando que vou vê-lo feliz por ontem, mas me engano. Não sabia o que me esperava. E foi assim que eu passei minha noite.

Eram cinco horas da manhã quando eu fui me arrumar. Acordei os meninos e tomamos café juntos. Papai acordou e fez questão de perguntar quem era aquele menino que eu fiquei olhando naquela noite. Eu disse que era só um amigo e ele olhou com cara de quem não acreditou, riu e disse pros meus irmãos : "Ela não sabe mentir".

Fomos pegar o ônibus, chegamos no colégio. Fui direto a sala. Tocou o sinal e ele ainda não havia chegado. Passei toda a primeira aula pensando o que poderia ter acontecido com ele, já que ele nunca tinha se atrasado. Tocou pra segunda aula e ele chegou com uma cara triste. Será que ele ficou chateado porque ontem não rolou algo mais?

Só no intervalo que eu tive oportunidade de falar com ele. Tivemos a seguinte conversa:

-Oi, o que foi meu lin... quer dizer Joaquim?
-Oi, nada. Eu preciso ficar só.
-Ah,tá.. Foi mal então... Querendo conversar ou desabafar eu estou ali, viu? Pode confiar em mim.
Foi nessa hora que ele me puxou e disse, olhando pros meus olhos :
-Desculpa, eu não deveria ter falado assim. Mas é que eu não que um noite muito boa.
-Foi por causa da pizzaria ontem?
-Não.
-Ah...Pode dizerque foi?
- Posso.
-Diz..
-É que eu não tive um sonho muito bom ...
- O que é que você sonhou
-Que minha morria num acidente de carro
-Que horrível!Ainda bem que foi sonho, né?
-Não, isso aonteceu faz um tempo já- encheu os olhos de lágrima- e desde lá eu sonho com isso de vez em quando.
- Eu sinto muito
E os restantes dez minutos foram de silêncio.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

"O dia seguinte seria triste. Tomei meu banho assim que cheguei da pizzaria, não quis pensar mais em nada, apesar da imagem dela vir sempre à minha cabeça. Mas é na calada da noite, antes de dormir, naquele silêncio horrendo e escuro de dar calafrios, que nós caimos na real e lembramos que nem tudo é perfeito.
Só quando cheguei em casa foi que percebi que papai estava querendo nos distrair.

No sonho, eu estava no carro, no banco de trás com minha irmã, enquanto mamãe falava 'Joaquim, lembra do dia em que você resolveu comer reboco de parede?' e todo mundo começava a rir. Papai dirigindo, sem preocupações. Estávamos passando por um campo com árvores de carvalho e jabuticaba, um cenário meio estranho pra quem estava indo visitar os avós na região centro-oeste. Mamãe sempre contando suas piadas sem graça e as estórias de quando éramos menores, eu e Melina. Ouvíamos Cássia Eller cantando 'O Segundo Sol'. Não sei porque, mas o Pajero de papai estava menor e mais velho no sonho e eu usava meus sapatos de sempre, velhos, azuis com detalhes cinzas que, há muito, já foi o tênis da moda de qualquer criança, mas que mesmo assim eu adorava; meus óculos escuros de camelô que meu pai tinha me dado e um casaco preto dado por mamãe uma semana antes, no meu aniversário. Mamãe usava um moleton rosa com uns detalhes às costas. Acho que deviam ser beija-flores, nunca havia prestado atenção realmente.
Estava tudo igual àquele dia, tudo igualzinho. Até o cheiro de aromatizante de carro com aroma de uva que papai sempre usava. A pick-up vermelha, a mesma pick-up, estava a nossa frente, vindo na outra mão da estrada.
Era o mesmo sonho nos últimos três anos.
Mamãe se virou pra mim e para Melina e disse:
- Tem um bilhete pra vocês que alguém deixou aí atrás do banco.
Papai deu um sorrisinho sarcástico de canto de boca. Nos viramos meio duvidosos e realmente havia um envelope roxo com uma letra cinza em seu verso, com os dizeres 'Para Joaquim e Melina, nossos grandes amores.'
Retiramos, ainda curiosos o papel de dentro, e lá havia simplesmente a frase 'Seu telefone irá tocar'.
Olhamos um para o outro, os olhos brilhando de felicidade, sabíamos que iríamos ganhar nossos primeiros celulares!
Foi então que, quando olhamos para papai e para mamãe, ambos estavam com seus celulares na mão, e ouvimos um toque estranho vindo de dentro do porta-luvas. Mamãe se estendeu para abri-lo, e retirou de lá dois celulares novinhos!
Papai nos ouvia, nos sentia, sorrindo, enquanto passávamos pelas árvores e pelos pássaros ao céu e ficávamos aturdidos com os presentes.
Foi aí que ele olhou para trás.
Ouvi o grito de mamãe e papai se virando espantado. Foi aí que o acidente aconteceu.
O sonho havia terminado. Se é que pode ser chamado de sonho.
Lembro de ter acordado no hospital, com minha irmã do lado e minha tia Amélia aflita, com olheiras gigantescas conversando com o médico sobre papai. Ele estava na UTI.
Quando abri os olhos ela percebeu e veio me abraçar.
Chorou tanto, mas tanto, que só após algum tempo eu vim entender o que ela queria dizer:
- Pensei que você não fosse acordar também Joaquim, eu pensei que você não fosse acordar também!
Meio aturdido, olhei para o lado e vi Melina se esforçando para continuar sóbria. Só depois eu soube que haviam posto calmante no soro dela. Mas como assim 'pensei que você não fosse acordar também' ?
Olhei para os lados, vi minha irmã viva, soube que meu pai estava lutando na UTI, mas nenhuma notícia da minha mãe.
Me bateu um nó na garganta, uma vontade de sair gritando e extravazar aquele sentimento todo, mas meu pé estava quebrado e enfaixado e meu pescoço imobilizado. Melina começou a chorar calmamente, silenciosa com o 'calmante'. E eu não sabia o que fazer. Abracei minha tia forte e chorei também, como nunca havia chorado antes.
Eu nunca mais teria notícias de minha mãe, nem ouviria sua voz me acordando pela manhã.

Fui para a escola me lembrando do acidente. 'Três anos hoje' pensava eu. Aquele dia foi triste, eu estava de luto. Não queria falar com ninguém. Foi aí que, no intervalo, ela veio falar comigo. E eu chorei."

sábado, 7 de junho de 2008

"É fogo! Cada dia que passa eu vejo que a situação piora mais. Mais preconceito, mais reclamações, tudo! Eu não aguento mais, nem meus irmãos! Meus irmãos tadinhos, sendo excluídos da turma por serem do interior. Todos os "amiguinhos" ficam mangando de seu sotaque. Pedro e João todos os dias chegam em casa chorando e reclamando.
Ontem mesmo eles falaram a papai que uma "amiguinha" estava chamando-os de gêmeos caipiras. Papai disse que vai lá resolver.
Sim, papai conseguiu o emprego que tanto queria! Ainda bem que ele conseguiu. Quem sabe assim entra algum dinheirinho aqui em casa para termos uma vida mais confortável?
Por causa disso, fomos para a pizzaria comemorar com seu novo chefe. Estavamos todos ansiosos, claro! Papai todo preocupado, ensaiando o discurso, com um paletó cinza. Minha mãe com aquele seu vestido vermelho e longo, lindo! Os gêmeos com uma calça jeans e uma camisa social. E eu, com aquela minha calça jeans, uma batinha e meu casaco. Todos arrumados, pegamos o primeiro ônibus que vimos na frente. Meus irmãos cantavam e brincavam no ônibus, eu acho que eles têm talento, se alguem investisse neles iriam ficar ricos e famosos! Mas sim, chegamos à pizzaria. Sentamos na primeira mesa que vimos na frente. Minutos depois chegou o Sr. Paulo, o chefe de papai.
-Sr. Paulo essa é minha esposa Dona Helena
- Prazer, seu Paulo
-O prazer é todo meu!
-Meus filhos João, Pedro e Isabel
-Prazer seu Paulo
-Prazer

E ficaram lá batendo um papos sobre o novo trabalho do meu pai e outros assuntos de adultos. João e Pedro já estavam impacientes e foram brincar um pouco. Mamãe reclamava porque eles não estavam se comportando direito. E eu lá, sozinha, por fora. Para minha surpresa, quando olho para trás, adivinha quem eu vejo? Aquele mesmo menino, a mesma cara, o mesmo que disse 'menina do interior'. Aí, só sei que ele ficou me olhando estranho. Me deu um friozinho na barriga, eu só consegui pensar nele o resto do dia. Quem diria, né? Ironia do destino. Levantei-me e fui ao banheiro. Fui me ajeitar. Claro" Com um menino me olhando, eu teria que me ajeitar para não causar mais mal impressão. Quando eu vejo, alguem na frente da porta. Quem? Ele é claro! Nessa hora meu coração batia na velocidade da luz e minha barriga fazia um frio que parecia que estava no polo norte. Eu abri a porta e ele, por sua vez, fica parado, olha para mim e dá um daqueles sorrisos puros dizendo:
- Oi
- Oi
- Olha, é que...é...acontece que...eu queria pedir desculpas por hoje- ele diz rápidamente com uma cara estranha
- Ah, tá, sem problemas. Acho que vou voltar pra minha mesa agora. Tchau. - respondo depois de passar um tempão para decifrar o que ele tinha dito.
Entrei no banheiro, ajeitei-me um pouco. Vi que não havia mais nada o que fazer com minha beleza exótica. Mesmo tentando desfarçar, quem é feio é feio de qualquer jeito.
Voltei para mesa e entimidada não olhei mais para ele, que estava ali tão perto.
Depois fomos para casa. Não pensei mais em nada naquele dia, somente naqueles olhos castanhos me olhando profundamente quando eu disse " sem problemas".

quinta-feira, 5 de junho de 2008

"É lasca!
Agora mandei minha chance de amizade pro espaço. Mas, mesmo assim, não vou desistir. Vou procurá-la pra me desculpar. Quer dizer, nem sei porque eu vou me desculpar, afinal, não chamei-a de 'menina do interior' num tom perjorativo. Mas é assim mesmo, cada um entende como quer.
O sinal tocou para ir-mos para casa e eu não a vi na hora do intervalo. Nem me desculpei nem me aproximei. Cheguei em casa era uma hora da tarde: uma pilha de louças pra lavar e secar, uma cozinha pra varrer e outra pilha de exercícios passados pelos professores.
Fui pro quarto, troquei de roupa e coloquei o avental. Pus também o som numa altura rasoável e fui fazer minhas coisas de dona de casa ao som de Pink Floyd.
Acho que passei umas duas ou três horas pra terminar tudo. Encontrei uma barata no ralo inferior do balcão da pia, acho que papai vai ter de mandar dedetizarem a casa.
Quando terminei a cozinha, tomei um banho e fiquei pensando na menina do interior. Amanhã eu realmente a procuraria e pediria desculpas. Terminei minhas atividades de física e biologia e fui assistir à tv. Papai chegou do trabalho na hora de costume e com Melina, minha irmã.
- Vamos pra um rodízio?
- Agora?
- Não, vamos esperar dar meia noite para colocarmos nossos vestidos e sapatilhas de cristal. É claro que é agora! - às vezes eu odeio o sarcasmo do meu pai.
Demoramos um tempo pra nos arrumar-mos, acho que ia dar umas oito horas quando a gente saiu de casa.
O caminho foi divertido com papai contando piadas e rindo da cara de Melina.
Quando eu chego à pizzaria, adivinha quem tava lá?
Mesmo casaco, mesmos olhos castanhos, mesma pele branca.
Quando subi as escadas e fiquei visível a quem estava dentro do cômodo, pude perceber uma parada brusca na gargalhada que ela estava dando devido a uma piada que, sua mãe eu supus havia acabado de contar.
Ficou me olhando por um tempo e voltou a atenção a sua mesa.
Acho que os dois garotinhos na mesa com ela deveriam ser seus irmãos mais novos.
Passei um tempo conversando com meu pai e com minha irmã, esperando uma chance de falar com ela. Algumas vezes nossos olhares se bateram. Então foi quando ela se levantou para ir ao banheiro - que para minha sorte, ficava bem nos fundos - foi que as borboletas começaram a voar mais no meu estômago e eu percebi que a hora de ir atrás dela era agora.
Esperei um tempo até ela entrar no banheiro.
Fiquei parado à frente da porta, que agora começava a se abrir.
- Oi - falei quando ela abriu a porta completamente. por ficar REALMENTE nos fundos, ninguém estava nos vendo.
- Oi - respondeu ela.
- Olha, é que...é...acontece que...eu queria pedir desculpas por hoje - a frase sai tão rápido que ela demorou certo tempo pra entender e abaixar as sobrancelhas.
- Ah, tá, sem problemas. Acho que vou voltar pra minha mesa agora. Tchau.
E se foi sem dar mais uma palavra.
Voltei à mesa, não nos olhamos mais.
Após um tempo, fomos para casa.
Não consegui pensar mais em nada o resto da noite.
Apenas no 'sem problemas' dela olhando nos meus olhos."

quarta-feira, 4 de junho de 2008

"Neste dia senti tanta falta acordar com o barulho o canto do galo a amanhecer e poder olhar aquelas árvores tão belas. Mas era bom eu ir me acostomando com a idéia que seria assim dia a dia. Acordar com o despertador é uma sensação tão ruim, mas tão ruim que não suportava mais. Todo dia eu tenho que acordar com aquele barulho insuportável.
Tive que me acordar com esse barulhinho e tomar um banho. Depois tive que tomar café, numa sala fechada, num apartamento tão sem graça. Minha vida de interior me faz falta. Principalmente meus amigos, que pelo jeito aqui não vai ser fácil arranjar algum. Fui andando até o colégio, mas pra minha desgraça começa a chover. Por este motivo me atrasei um pouco, perdi a primeira aula.
Fui para a bibilioteca, estudar biologia. Caso quisesse ser médica, era bom saber aquilo tudo decorado. Eu estava mergulhada no livro e sonhando acordada, quando de repente sou acordada pra realidade com uma voz de homem estranha que me pergunta com o maior preconceito:
-Cê é do primeiro ano, né? A novata, do interior.
Juro que na hora me deu uma vontade de matar aquele menino, mas me controlei. Se eu batesse nele só iria piorar minha fama: pobre, burra, feia, do interior e agressiva.
Cheguei em casa chorando, dizendo a mamãe que não aguentava mais essa vida de cidade. Como aquele menino pode me tratar daquele jeito 'a novata do interior'. Ninguem merece. Esperava que os dias melhorassem."

terça-feira, 3 de junho de 2008

"Estranho é você sonhar que está voando e cair da cama.
O cara tem um dia estressante, uma bolha rubro-marrom no sapato, uma calça manchada de creme dental e ainda por cima uma queda às quatro horas da manhã num chão frio e empoeirado.
Terminei descendo as escadas e fui até a geladeira pegar um pouco do mousse de maracujá que minha irmã havia feito.
Quando desci o primeiro degrau, me toquei que a luz da cozinha estava acesa, e nem sinal de alguém da casa acordado.
Voltei ao quarto assustado, e me tranquei.
Pensei em chamar papai mas ele deveria estar muito cansado e talvez poderia ser minha irmã assaltando a geladeira.
De qualquer forma, peguei o taco de beiseball e desci novamente as escadas, cautelosamente.
A cozinha estava silenciosa, solene.
Cheguei então à cena do crime!
Estava minha irmã com uma de nossas maiores xícaras se entupindo de mousse de maracujá.
Quando ela me viu, quis dar uma de santa e de garota prendada e tentou limpar a boca em sua camisola do Mickey Mouse.
Comecei a rir e fui dividir a xícara com ela, que a deixou à mesa e correu para seu quarto com o rosto vermelho de vergonha.
Comi e fui dormir novamente.
Fiquei pensando em como seria daqui a três horas, rever os meninos e brincar de novo.
Contar as novidades e falar das férias, com quantas garotas tínhamos ficado e coisas do tipo.
O relógio tocou pontualmente às seis da manhã, como de costume.

Segundo dia de aula, não podia deixar de tomar banho.
Mas quem foi que disse que eu tinha de tomar banho no choveiro?
Peguei um balde na área de serviço, coloquei em baixo do choveiro e enchi-o com toda aquela água gelada. Depois, fui à cozinha, peguei uma das panelas, coloquei água nela e levei-a ao fogo.
Seria meu primeiro banho de cuida desde que o carro de papai tinha quebrado há dois anos no Pará e nós tivemos de passar dois dias morando com índios!
Tomei meu banho de cuia e coloquei meu melhor perfume, aquele que a gente tem que sempre fica à frente do relógio/despertador sobre o criado-mudo.
O relógio!
Eram exatamente seis e meia da manhã e o ônibus passava de dez em dez minutos, mas eu tinha de pegá-lo às seis e quarenta pra poder chegar a tempo de entrar no colégio e eu nem tinha tomado café ainda!
Peguei uma maçã na cesta de frutas e saí correndo com a bolsa às costas. Para o meu azar, quando eu cheguei à esquina respirando e inspirando profundamente da corrida, passa o ônibus.
Jesus, me chicoteia!
Tive de esperar mais dez minutos pra chegar à escola às sete e dez, provavelmente perder a primeira aula e esperar no mínimo mais trinta minutos pra assistir à segunda aula.
Na biblioteca - onde os alunos que chegam atrasado ficam esperando o sinal tocar - haviam apenas três pessoas: eu, recém-chegado, um garoto do terceiro ano e uma menina totalmente estranha que, ouvi dizer, era novata e tinha entrado no primeiro ano. Se eu não me engano, ela era a garota do interior que o povo tava falando no dia anterior.
Então, raciocinei comigo mesmo: 'ela faz o primeiro ano, a mesma sala de Desierè, meu amor desde a segunda série do ensino fundamental.
O que custaria de eu ficar amigo dela e depois me aproximar mais de Desierè?
Afinal, a gente só se fala de relance e eu não poderia deixar uma oportunidade dessas passar!'

Aproximei-me como quem não quer nada. Ela estava sentada a uma das mesas de leitura, lendo um livro de biologia.

- Posso me sentar? - ela me encarou meio constrangida meio chateada e assentiu com a cabeça.
- Cê faz o primeiro ano, né?
- Aham.
- É a novata do interior? - silêncio.

Juro, juro como eu não falei em um tom de deboche ou de caçoação!
Mas assim que eu disse isso, ela se levantou totalmente chateada e se foi pra sala.
O sinal havia tocado."

Ela

"Nós tinhamos acabado de nos mudar para esta cidade, antes moravamos num sítio no interior do estado. Tinhamos uma vida tranqüila, mas agora teriamos uma vida corrida e estressante.Eu não conseguia me acostumar com a idéia. Todos os meus amigos ficaram para trás. Eu teria saudades eternas da minha terrinha.

Já eram seis horas e o primeiro dia de aula, eu tinha que me levantar mesmo odiando a ideia de ter que ir para o colégio. Eu era feliz no meu antigo, mas como nada é perfeito, ele só tinha até a oitava série. Era bom eu ir me acostumando com a idéia de que eu iria ter que fazer novos amigos, apesar de não ter facilidade. Me levantei com cara emburrada, fui tomar banho, vestir minha melhor roupa- não queria causar mal impressão. Tomei café, mamãe me fez um pão com ovo que estava bom -a única coisa boa do meu dia!

Fui para a escola. Chegando lá, me senti um zero a esquerda. Ninguem me olhava. Tocando, fui para a sala, uma sala grande com cerca de cinquenta carteiras. Todos me olhavam como se eu fosse uma intrusa, e eu acabei me sentindo uma. A professora me apresentou a turma que não queria saber nem quem eu era. Mas, quem iria querer conhecer uma menina pobre, feia e do interior? Ninguem, mas é claro! O preconceito ainda é muito grande neste mundo.

Do meio pro fim da aula, fui me acostumando com aqueles seres estranhos. Eles, não se acostumaram comigo. Ninguem me aceitava. A professora tambem ria das piadinhas sem graça que tiravam comigo. Eu não estava aguentando mais. Comecei a chorar com saudade dos meus amigos, meu povo.

Cheguei em casa e mamãe ainda pergunta como foi o colégio. Eu olhei para ela, abri o meu sorriso sarcástico e disse que foi ótimo. Ela entendeu a mensagem, mas não poderia fazer nada para me ajudar. Esse meu dia foi péssimo, só não foi pior por que não tinha como."

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Ele

"Ah, aquelas férias foram as melhores!
Papai nos levou para o Rio Grande do Sul!
Passamos exatos 12 dias e 6 horas fora de nossa cidade de origem, e sinceramente, valeu a pena:
as garotas de lá tem uma beleza exótica.
As aulas começaram logo depois, lembro-me que era um 02 de Fevereiro.
O dia estava claro, e se não fosse pela barata dentro do meu sapato, teria sido perfeito.
Acordei meio tonto por conta da hora que estava acostumado a dormir nas férias, e contrariei a regra de tomar banho todo dia antes de ir pro colégio.
O choveiro elétrico havia quebrado há dois dias, e papai não tinha mandado consertar ainda.
Então, molhei o cabelo para despistar, botei meu melhor perfume, e lá fui eu calçar meus sapatos novos da adidas.
Coloquei os sapatos e senti uma coisa estranha na ponta do dedão, mas achei que devia ser uma daquelas costumeiras 'bolhas' que as meias novas originam.
Daí eu me toquei que as bolhas não se mexiam quando os pés estavam parados.
Tirei o tênis, coloquei-o à luz e vi aquele fim de asa rubro-marrom se debatendo ao fundo.
Joguei o tênis e pedi socorro.
Papai veio correndo pra me ajudar pensando que eu tinha levado um choque no choveiro ou algo do tipo, mas quando chegou ao banheiro e viu minha calça melada de creme dental e os sapatos em cima da pia, perguntou assustado:
- Menino, o que foi isso?
- Acho que tem uma bolha com rabos nos meus sapatos.
Ele então foi olhar o que tava acontecendo dentro daqueles sapatos tão caros.
Nem vi como foi que ele retirou aquela coisa de lá, tinha ido pro meu quarto de novo, enxugar os cabelos recém-banhados.
Pus o tênis e corri pra pegar o ônibus.
Como tradição, não tomei café por ser o primeiro dia de aula.

O colégio estava normal, nada demais, nada de menos.
Os mesmo novatos solitários exluindo-se, os grupinhos de patricinhas conversando sobre as sandálias que bombaram nas férias e sobre os mil países que tinham visitado e eu, esperando ver alguém conhecido, já que tinha acabado de entrar no 2° Ano do ensino médio.
Como eu me arrependo de ter repetido...
Resumindo, as novatas até que eram bonitinhas [alguém não vai gostar de ver esse comentário], mas eu fiquei mesmo foi de olho em uma só.
Lá estava ela, cabelos curtos, pretos, olhar fascinante...
E meia dúzia de garotos querendo conhecê-la.
A manhã passou num flash.
No intervalo, um gordinho novato espremeu catchup demais na comida e terminou por se melar todo, o que gerou boas gargalhadas.
Então, no meio de todo mundo, ela se destacava.
Andava sempre com suas amigas, inseparáveis.
Tirei a cabeça disso, mulheres são perigosas quando os homens se abestalham.
Ao término das aulas, fui direto pra casa, nenhum dos meus companheiros de curtição havia ido pro colégio.
Esqueci que meu pai é o único que cobra que o filho vá ao primeiro dia de aula."