"O dia seguinte seria triste. Tomei meu banho assim que cheguei da pizzaria, não quis pensar mais em nada, apesar da imagem dela vir sempre à minha cabeça. Mas é na calada da noite, antes de dormir, naquele silêncio horrendo e escuro de dar calafrios, que nós caimos na real e lembramos que nem tudo é perfeito.
Só quando cheguei em casa foi que percebi que papai estava querendo nos distrair.
No sonho, eu estava no carro, no banco de trás com minha irmã, enquanto mamãe falava 'Joaquim, lembra do dia em que você resolveu comer reboco de parede?' e todo mundo começava a rir. Papai dirigindo, sem preocupações. Estávamos passando por um campo com árvores de carvalho e jabuticaba, um cenário meio estranho pra quem estava indo visitar os avós na região centro-oeste. Mamãe sempre contando suas piadas sem graça e as estórias de quando éramos menores, eu e Melina. Ouvíamos Cássia Eller cantando 'O Segundo Sol'. Não sei porque, mas o Pajero de papai estava menor e mais velho no sonho e eu usava meus sapatos de sempre, velhos, azuis com detalhes cinzas que, há muito, já foi o tênis da moda de qualquer criança, mas que mesmo assim eu adorava; meus óculos escuros de camelô que meu pai tinha me dado e um casaco preto dado por mamãe uma semana antes, no meu aniversário. Mamãe usava um moleton rosa com uns detalhes às costas. Acho que deviam ser beija-flores, nunca havia prestado atenção realmente.
Estava tudo igual àquele dia, tudo igualzinho. Até o cheiro de aromatizante de carro com aroma de uva que papai sempre usava. A pick-up vermelha, a mesma pick-up, estava a nossa frente, vindo na outra mão da estrada.
Era o mesmo sonho nos últimos três anos.
Mamãe se virou pra mim e para Melina e disse:
- Tem um bilhete pra vocês que alguém deixou aí atrás do banco.
Papai deu um sorrisinho sarcástico de canto de boca. Nos viramos meio duvidosos e realmente havia um envelope roxo com uma letra cinza em seu verso, com os dizeres 'Para Joaquim e Melina, nossos grandes amores.'
Retiramos, ainda curiosos o papel de dentro, e lá havia simplesmente a frase 'Seu telefone irá tocar'.
Olhamos um para o outro, os olhos brilhando de felicidade, sabíamos que iríamos ganhar nossos primeiros celulares!
Foi então que, quando olhamos para papai e para mamãe, ambos estavam com seus celulares na mão, e ouvimos um toque estranho vindo de dentro do porta-luvas. Mamãe se estendeu para abri-lo, e retirou de lá dois celulares novinhos!
Papai nos ouvia, nos sentia, sorrindo, enquanto passávamos pelas árvores e pelos pássaros ao céu e ficávamos aturdidos com os presentes.
Foi aí que ele olhou para trás.
Ouvi o grito de mamãe e papai se virando espantado. Foi aí que o acidente aconteceu.
O sonho havia terminado. Se é que pode ser chamado de sonho.
Lembro de ter acordado no hospital, com minha irmã do lado e minha tia Amélia aflita, com olheiras gigantescas conversando com o médico sobre papai. Ele estava na UTI.
Quando abri os olhos ela percebeu e veio me abraçar.
Chorou tanto, mas tanto, que só após algum tempo eu vim entender o que ela queria dizer:
- Pensei que você não fosse acordar também Joaquim, eu pensei que você não fosse acordar também!
Meio aturdido, olhei para o lado e vi Melina se esforçando para continuar sóbria. Só depois eu soube que haviam posto calmante no soro dela. Mas como assim 'pensei que você não fosse acordar também' ?
Olhei para os lados, vi minha irmã viva, soube que meu pai estava lutando na UTI, mas nenhuma notícia da minha mãe.
Me bateu um nó na garganta, uma vontade de sair gritando e extravazar aquele sentimento todo, mas meu pé estava quebrado e enfaixado e meu pescoço imobilizado. Melina começou a chorar calmamente, silenciosa com o 'calmante'. E eu não sabia o que fazer. Abracei minha tia forte e chorei também, como nunca havia chorado antes.
Eu nunca mais teria notícias de minha mãe, nem ouviria sua voz me acordando pela manhã.
Fui para a escola me lembrando do acidente. 'Três anos hoje' pensava eu. Aquele dia foi triste, eu estava de luto. Não queria falar com ninguém. Foi aí que, no intervalo, ela veio falar comigo. E eu chorei."
Franciscas-Aves: Notas Ligeiras sobre Valci Oliveira
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Conheci o trabalho de Valci Oliveira no Salão de Artesanato da Paraíba, em
2015, na cidade de Campina Grande. Como sempre faço toda vez em que visito
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Há 7 anos
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