terça-feira, 3 de junho de 2008

"Estranho é você sonhar que está voando e cair da cama.
O cara tem um dia estressante, uma bolha rubro-marrom no sapato, uma calça manchada de creme dental e ainda por cima uma queda às quatro horas da manhã num chão frio e empoeirado.
Terminei descendo as escadas e fui até a geladeira pegar um pouco do mousse de maracujá que minha irmã havia feito.
Quando desci o primeiro degrau, me toquei que a luz da cozinha estava acesa, e nem sinal de alguém da casa acordado.
Voltei ao quarto assustado, e me tranquei.
Pensei em chamar papai mas ele deveria estar muito cansado e talvez poderia ser minha irmã assaltando a geladeira.
De qualquer forma, peguei o taco de beiseball e desci novamente as escadas, cautelosamente.
A cozinha estava silenciosa, solene.
Cheguei então à cena do crime!
Estava minha irmã com uma de nossas maiores xícaras se entupindo de mousse de maracujá.
Quando ela me viu, quis dar uma de santa e de garota prendada e tentou limpar a boca em sua camisola do Mickey Mouse.
Comecei a rir e fui dividir a xícara com ela, que a deixou à mesa e correu para seu quarto com o rosto vermelho de vergonha.
Comi e fui dormir novamente.
Fiquei pensando em como seria daqui a três horas, rever os meninos e brincar de novo.
Contar as novidades e falar das férias, com quantas garotas tínhamos ficado e coisas do tipo.
O relógio tocou pontualmente às seis da manhã, como de costume.

Segundo dia de aula, não podia deixar de tomar banho.
Mas quem foi que disse que eu tinha de tomar banho no choveiro?
Peguei um balde na área de serviço, coloquei em baixo do choveiro e enchi-o com toda aquela água gelada. Depois, fui à cozinha, peguei uma das panelas, coloquei água nela e levei-a ao fogo.
Seria meu primeiro banho de cuida desde que o carro de papai tinha quebrado há dois anos no Pará e nós tivemos de passar dois dias morando com índios!
Tomei meu banho de cuia e coloquei meu melhor perfume, aquele que a gente tem que sempre fica à frente do relógio/despertador sobre o criado-mudo.
O relógio!
Eram exatamente seis e meia da manhã e o ônibus passava de dez em dez minutos, mas eu tinha de pegá-lo às seis e quarenta pra poder chegar a tempo de entrar no colégio e eu nem tinha tomado café ainda!
Peguei uma maçã na cesta de frutas e saí correndo com a bolsa às costas. Para o meu azar, quando eu cheguei à esquina respirando e inspirando profundamente da corrida, passa o ônibus.
Jesus, me chicoteia!
Tive de esperar mais dez minutos pra chegar à escola às sete e dez, provavelmente perder a primeira aula e esperar no mínimo mais trinta minutos pra assistir à segunda aula.
Na biblioteca - onde os alunos que chegam atrasado ficam esperando o sinal tocar - haviam apenas três pessoas: eu, recém-chegado, um garoto do terceiro ano e uma menina totalmente estranha que, ouvi dizer, era novata e tinha entrado no primeiro ano. Se eu não me engano, ela era a garota do interior que o povo tava falando no dia anterior.
Então, raciocinei comigo mesmo: 'ela faz o primeiro ano, a mesma sala de Desierè, meu amor desde a segunda série do ensino fundamental.
O que custaria de eu ficar amigo dela e depois me aproximar mais de Desierè?
Afinal, a gente só se fala de relance e eu não poderia deixar uma oportunidade dessas passar!'

Aproximei-me como quem não quer nada. Ela estava sentada a uma das mesas de leitura, lendo um livro de biologia.

- Posso me sentar? - ela me encarou meio constrangida meio chateada e assentiu com a cabeça.
- Cê faz o primeiro ano, né?
- Aham.
- É a novata do interior? - silêncio.

Juro, juro como eu não falei em um tom de deboche ou de caçoação!
Mas assim que eu disse isso, ela se levantou totalmente chateada e se foi pra sala.
O sinal havia tocado."

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